Monthly Archive for June, 2018

Influência africana no português brasileiro: uma fala mais aberta e com mais curvas

Influência africana no português brasileiro

Portugal, ao lado de Espanha, foi um dos vetores da expansão do Ocidente até as Américas, sob o auspício das Grandes Navegações. Conquistando territórios e forjando mercados, esse país ibérico foi um dos propulsores do mercantilismo. O sistema, por necessidade abrupta e em grande escala de mão de obra, deu ensejo ao tráfico de gente da África para sustentar aquela etapa histórica, subjugando seres humanos mediante a escravidão.

Mesmo antes de efetivar a colonização do Brasil, por esse destino histórico que levou Portugal ao tráfico de seres humanos, no idioma do então reino europeu já se fazia sentir as marcas africanas no vocabulário. Na Colônia brasileira, para além da incorporação lexical, a língua portuguesa se remodelou em relação à da Metrópole. Isto se deveu à força cultural das etnias africanas na constituição da nação. Enquanto em Portugal a fala se caracterizava pelo timbre mais fechado e uma pronúncia com mais arestas, no Brasil se plasmou “mais aberta e com mais curvas” graças ao componente africano, segundo bem afirmam e comprovam Julia T. Yoshino, Luciana Soga, Marília Reis e Raquel Nakasche: em artigo de 1º. de agosto de 2009 na Revista Digital Entretextos, editada pela USP).

Esse componente do português brasileiro impregnou-se em imensa parte do país, marcadamente a partir do litoral do Nordeste nos primórdios da colonização, dando feição própria ao idioma em virtude de uma oralidade distinta. Vogais predominantemente pronunciadas de modo aberto, cadenciadas pela intercalação de algumas poucas fechadas e muitas nasalizadas, apimentaram a língua, dando-lhe a malemolência que a faz soar com uma musicalidade característica. A linguagem popular nos faz divisar na língua uma coreografia em curvas dos passos de um samba, frevo ou baião, para citar três das formas do cancioneiro brasileiro impregnado de “africanês”.

A incorporação não apenas do léxico, como fortemente das tonalidades e acentos ou sotaques africanos, deu-se porque os escravos, ao usar o português como segundo idioma, desde cedo o faziam imprimindo seus hábitos linguísticos, morfológicos e prosódicos. Isto se intensificou, sobretudo, porque, após a abolição da escravatura, a descendência africana passou a constituir importante segmento da população brasileira. A cultura dos oprimidos, seja na agricultura, na culinária, nos mitos populares, na religiosidade, na musicalidade, na forma de designar ou denominar e metaforizar a realidade, assumiu proporções definitivas na composição da identidade nacional.

Exemplificando, quanto ao léxico, quão indistinguível seria o português do Brasil, se não houvesse dourado nele essas conhecidíssimas pílulas africanas trazidas nos navios negreiros:

bagunça, bafafá, fuzuê e muvuca: confusão
moleque: garoto travesso
dengo, cafuné: carinho na cabeleira
fubá: pó extraído do milho para feitura de mingaus e do cuscuz
quitanda: lugar onde se vende frutas, legumes e verduras
batucada: música feita exclusivamente com tambores
agogô, berimbau e zabumba: instrumentos musicais
afoxé e forró: expressões musicais
cachaça: aguardente
fuxico: boataria
caçula: o filho ou irmão mais novo
gangorra: balanço muito usado pelas crianças
banguela: desdentado
gogó: lábia
bunda: nádegas
cafundó e beleléu: lugar longínquo ou desconhecido
lelé: maluco
canga: vestimenta muito usada pelas mulheres para cobrir o biquíni no trajeto de ida e volta da praia
tanga e sunga: vestimenta masculina e feminina para o banho de mar, rio ou piscina
cafofo: moradia improvisada ou cantinho querido onde se vive
caxumba: parotidite epidêmica
jiló: fruta amarga muita apreciada para o preparo de licores alcóolicos
cachimbo: utensílio usado para fumar
capanga: pessoa que atua no apoio a líderes de grupos criminosos
cambada: grupo
muquirana: sovina
babaca: besta ou idiota
lenga-lenga: conversa fiada ou lorota
candomblé, umbanda, orixá, iemanjá, axé, exu, erê, mandinga
e macumba: designações e entidades ou expressões da religiosidade popular
abadá: vestimenta usada em sacramentos e também em festividades populares como o Carnaval
acarajé, abará, jabá, moqueca, mocotó e bobó: comidas típicas
chimpanzé: espécie de macaco
carimbo: selo

Além do mais, imagine-se o quão irreconhecível seria o português brasileiro sem alguns dos recorrentes verbos africanos que cruzaram o Atlântico, tais como:

bagunçar, batucar, fuxicar e carimbar: veja os correspondentes substantivos acima
fungar: fazer ruído pelo nariz
cochilar:
dormitar
xingar:
insultar  
mangar: zombar

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