As naus portuguesas que vieram “descobrir” o Brasil tiveram o seu primeiro porto seguro na Bahia. Ali a colonização do país deu os seus passos iniciais. O Brasil começou, mesmo, pela Bahia. É um microcosmo do país, refletindo muito da mescla racial, cultural e linguística, com uma feição única. Para exemplificar a pungência e cadência do idioma local, vale escutar, para que fiquemos com dois ícones do cancioneiro popular, Dorival Caymmi e Caetano Veloso.
O jeito próprio de falar da gente principalmente da capital desse estado deu ensejo ao “Dicionário de Baianês”, com primeira edição publicada em 1991, compilado pelo escritor Nivaldo Lariú.
É claro que sem a menor preocupação linguístico-acadêmica, Lariú vem organizando a obra com o intuito de registrar e difundir um idioleto que, em certos contextos da vida social ‘soteropolitana’ (isto é, a capital do estado, Salvador), dá toda a dimensão da vitalidade e particularismos da visão de mundo de sua gente.
As palavras e expressões por ele recolhidas surgem, quase sempre, das festas de largo (festas nos espaços públicos), que culminam no Carnaval, a par de situações do dia-a-dia de uma cidade sui generis. A maioria teria origem na ‘Cidade Baixa’ (Salvador comporta, dada a sua geologia, uma parte alta e outra baixa). Por uma questão sociológica nítida para quem vive ou visita com frequência a dita Cidade da Bahia, a parte baixa não anda vertiginosamente em direção à modernização urbana como sucede com a ‘Cidade Alta’. Ali há espaço para um tempo que flui mais manso, propício à chamada “conversa fiada” (descontraída, despretensiosa, livre de toda a correria das metrópoles), feita de encontros nas ruas, na porta das casas, que ainda sucede rotineiramente. As preciosidades vocabulares e as expressões que se convertem em gírias florescem ano a ano. Basta passar um Carnaval na Bahia e voltar em outro ano para dar-se conta.
Fiquemos aqui com alguns exemplos:
ABESTALHADO/BESTALHADO (bobo)
ABILOLADO (maluco, abobalhado)
AGONIADO (aflito)
ALUADO (distraído, desligado, “de lua”)
APOQUENTADO (nervoso, irritado)
ARMENGUE (algo feito de improviso, pessoa ou coisa feia)
ARRASTAR ASA (se interessar sexual e amorosamente por alguém)
BANDA VOOU (pessoa frívola)
BATER A CAÇULETA (morrer)
BOTAR GOSTO RUIM (atrapalhar, perturbar, colocar defeito)
CACARECOS (coisas sem valor)
CARNE-DE-FUMEIRO (carne de porco defumada)
CHEIO DE NOVE-HORAS (complicado, enrolado)
COMER ÁGUA (tomar bebida alcóolica)
DAR ESPETO (sair, por exemplo, de um restaurante sem pagar a conta)
DAR TESTA (enfrentar)
DAR UM AMASSO (“paquerinha”, entrar em contato físico com alguém sem pretensão de estabelecer relacionamento amoroso ou sério)
DE BOBEIRA (à toa)
DE CAJU EM CAJU (esporadicamente)
DESMILINGUIDO (desajeitado)
ENCAFIFAR (intrigar-se, retrair-se)
ENCURTAR CONVERSA (resumir, finalizar)
FOI MAL (pedido de desculpa)
GRUDENTA (pessoa invasiva)
LENHADO (em mau estado)
LESEIRA (preguiça)
MALDAR (agir com malícia)
MALINAR (traquinar)
MELAR (“sujar a barra”, dar errado)
MOFINO (covarde)
NA LEVADA (na onda ou nos modos de um grupo de pessoas, num determinado ritmo musical)
NA MORAL (“numa boa”, de boa vontade)
NEM TCHUM (sem dar importância)
OLHO GORDO ou GROSSO (inveja)
OXENTE (“puxa vida”, caramba!)
PEGAR O BOI (conseguir algo com facilidade)
PICUINHA (coisa sem importância, intriga)
PONGAR (“ir de carona”)
PORRETA (legal, bacana, ótimo)
QUENTURA (calor)
REI DA COCADA PRETA (“metido a besta”, pessoa que a si se dá muita importância)
ROMPER O ANO (ir comemorar o réveillon)
SE LIGUE (preste atenção!)
TIRAR O CORPO (“sair de fininho”, escapulir, “dar o fora”)
TOMAR TENÊNCIA (“tomar jeito”, definir-se adotando atitudes)
TOPETE (ousadia, coragem)
TREITEIRO (dissimulado, malandro)
UMBORA (vamos!)
UZEIRO E VEZEIRO (acostumado)
VAGAL (vagabundo)
VARAPAU (pessoa alta e magra)
VIXE MARIA (virgem maria!)
ZUADA (barulho)
Na moral, se você for, já foi e algum dia voltar à Bahia, para estar ou não de bobeira lá e sua estadia ser porreta, oxente, se ligue no baianês!
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